domingo, 3 de junho de 2012

Água mineral mais barata que a da torneira


Água mineral mais barata que a da torneiraCondições do clima e impostos deixam produto com preço até 60% mais alto que a mineral

Sílvio Ribas - Estado de Minas
Publicação: 03/06/2012 07:32 Atualização: 03/06/2012 07:37

A poluição, o crescimento urbano desordenado e as mudanças climáticas estão tornando a água doce do Brasil – recurso no qual o país é líder mundial – a protagonista de uma crescente contradição econômica. Especialistas, empresários e agentes de governo já temem o cenário de um apagão hídrico nas principais regiões metropolitanas até o fim desta década. Além da limitação na oferta, as projeções mostram também uma curiosa perspectiva, que está levando a produção da água bombeada para torneiras a patamar até 60% mais caro do que o das garrafas PET de água mineral. A discrepância vem à tona quando se ignora a classificação, pelo sistema tributário, da água mineral como minério e não como item básico de consumo.

Um dos temas na agenda da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável — a Rio+20 —, que será aberta na semana que vem no Rio de Janeiro, o encarecimento da água potável pressiona hoje o Estado a agilizar investimentos em infraestrutura de saneamento básico e estimula empresas a implementar programas de gestão racional do uso de recursos hídricos. Segundo Sérgio Ayrimoraes, coordenador de pesquisas da Agência Nacional de Águas (ANA), a diferença de valor entre as águas pública e privada decorre de diferentes fatores, sobretudo eventos climáticos extremos (cheias ou estiagem) e a dificuldade cada vez maior em se tratar água de rios, lagos e outras fontes.

A aparente contradição entre o fato de o Brasil ter a maior oferta mundial de água doce e figurar só em oitavo lugar entre os mercados consumidores de água mineral deve-se, por sua vez, ao regime tributário sobre o setor. A Constituição de 1988 deu nova denominação à água, de bem natural para mineral não metálico, levando a carga de impostos a sair da média mundial ainda vigente, de 6,8% sobre o valor cobrado do consumidor, para chegar aos atuais 44,5%. Quase metade do valor pago pelos engarrafados em diferentes formatos vem de tributos federais e estaduais (ICMS), além dos royalties. 

Essa disparada foi motivada  em 1992 também pela mudança da classificação fiscal da água, de alimento, ao lado de sucos e leites, para bebida, no grupo de refrigerantes e cervejas. “Essa alteração do Ministério da Fazenda levou o setor a recolher até o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) apesar de explorar recurso 100% natural. Na Europa, todos os impostos incidentes na água mineral somam 6% e há países, como o México, onde ela é totalmente isenta”, comenta Carlos Alberto Lancia, geólogo e presidente da Associação Brasileira de Indústria de Águas Minerais (Abinam).

Setor também quer isenção


A entidade pressiona parlamentares no Congresso para aprovar projeto de lei que zera a tributação sobre garrafões de 20 litros, sob o argumento de favorecer alternativa de abastecimento em núcleos urbanos sem acesso à água tratada ou onde serviços públicos são precários. Lancia ressalta que a saúde pública e a economia popular seriam beneficiadas com o estímulo do consumo via isenção tributária. “A rigorosa exigência legal de qualidade para as fontes minerais não se aplica à água de torneira”, resume.

Enquanto a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) tolera a presença de bactérias em 5% das amostras das companhias de abastecimento para indicá-las como seguras ao consumo humano, as águas minerais têm de apresentar total ausência de micro-organismos. Outro ponto a favor dos garrafões seria o índice virtualmente zero de perdas na produção, ao contrário dos vazamentos e roubos das redes de abastecimento no país, que levam ao desperdício médio de 37% da água tratada, além de elevar os riscos de contaminação. “Enquanto o reuso de um garrafão de água mineral gasta dois litros na lavagem, a produção de um litro de refrigerante pode empregar até 30 litros de água comum”, acrescenta.

A oferta nacional vai muito além da simples e essencial hidratação, incluindo minerais que ajudam a digestão e fortalecem o organismo. Tais características têm chamado a atenção do setor, que na prática vende serviços e não produtos. É por essa razão que um garrafão de 20 litros, mesmo com impostos, custa em média R$ 7 na porta do consumidor. Na origem, seu custo é de R$ 1, o que dá R$ 0,05 por litro.

Descontados impostos, o equivalente a um galão de 19 litros de água tratada nas grandes metrópoles tende a ficar mais caro que o mineral, se forem considerados todos serviços envolvidos, chegando a R$ 11,20, ou R$ 0,55 o litro. Em 2050, essa diferença pode bater em 300%. Enquanto o garrafão é economicamente sustentável, a água de torneira não é, por envolver longa cadeia de produção, com represas, energia e produtos químicos.

Considerando a média de consumo diário de 150 litros por pessoa, para todos os usos, o sistema gasta mensalmente pelo menos R$ 9 por habitante para levar os 4,5 mil litros de água usados individualmente. Se forem consideradas perdas e investimentos em novas ligações, o valor pode subir para o dobro. “Precisaríamos investir R$ 22 bilhões apenas para proteger bacias e nascentes", comenta o presidente-executivo do Instituto Trata Brasil, Édison Carlos.

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